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Designação da produção poética caracterizada pela experimentação rítmica e musical, além do abandono, por parte dos poetas, dos meios tradicionais de circulação das obras (editoras, livros, livrarias). A poesia foi levada às praças, às ruas, às universidades. Os poemas circulavam em cópias mimeografadas, eram pendurados em "varais", jogados do alto de edifícios, distribuídos de mão em mão. A poesia marginal foi uma prática poética marcada pelo artesanal, por poetas que queriam se expressar livremente em época de ditadura, buscando caminhos alternativos para distribuir poesia e revelar novas vozes poéticas. A poesia marginal apresenta também oposição ao concretismo.


INFLUÊNCIAS:
- Geração de 22 (1ª fase do Modernismo)
- Tropicalismo
- Movimentos de contracultura como o rock, o movimento hippie, histórias em quadrinhos e o cinema
CARACTERÍSTICAS:
- Coloquialidade
- Humor
- Espontaneidade
- Paródia
- Cotidiano urbano

Paulo Leminski: o marginal dos marginais

Este sim foi um verdadeiro marginal. Dos poetas da geração 68, como ele mesmo se intitulou em uma espécie de manifesto na revista Pólo Inventiva em 1978, ninguém mais do que Paulo Leminski encarnou o que havia de realmente original nessa geração marcada pelo inconformismo e rebeldia: a incoerência. Dono de uma personalidade singular, o poeta curitibano era capaz de reunir num mesmo ser a figura de hippie, ex-seminarista, poeta, publicitário, judoca e haicaísta zen. Embora soe um tanto quanto paradoxal, a sua incoerência era o que havia de mais sensato nesse contexto histórico pós-68.

Uma de suas contradições, se é que assim a podemos considerar, era o fato de ser marginal e, curiosamente, possuidor de uma erudição como poucos em sua época. Por trás do linguajar coloquial e dos versos livres, fazia-se presente na poesia de Leminski um rigoroso trabalho com a linguagem, fruto de um conhecimento aprofundado de autores consagrados como James Joyce e Ovídio, e da amizade de longa data com intelectuais de primeira grandeza como Décio Pignatari e Haroldo de Campos. É sabido também que o poeta tinha familiaridade com línguas. Ele mesmo se orgulhava de ser um “bandido que sabia latim”.

Leminski, ou a “besta dos pinheirais”, como também foi alcunhado, não via incoerência alguma em ser marginal e concretista ao mesmo tempo. Se de um lado, os marginais buscavam a liberdade contra todo tipo de repressão, do outro, o Concretismo, com o seu arcabouço teórico rígido e inflexível, representava a alguns deles o que havia de pior: um verdadeiro AI-5 da literatura. Nesse cenário, a figura de Leminski surgiu como uma válvula que despressurizava o rigor do Concretismo ao mesmo tempo que inflava a poesia marginal com uma boa dose de lirismo e erudição. Nesse meio tempo, conseguiu ainda espaço para ser tropicalista na gélida e sóbria Curitiba.

É, contudo, no campo social onde Leminski guardava suas maiores contradições. Escreveu a biografia do revolucionário russo Trotski, envolveu-se com organizações de esquerda como a Libelu, Liberdade e Luta, mas ainda assim não se permitia fazer poesia social. A respeito dos poemas de colegas que versavam sobre “bóias-frias ou metalúrgicos do ABC”, costumava dizer que “a realidade objetiva é a prostituta mais barata no mercado de idéias”. No começo da década de 80, numa reunião de escritores alemães no Rio de Janeiro, chegou a acusar o poeta maranhense Ferreira Gullar de “oportunista” e “carreirista”. Nesse caso, Leminski concordava com Fidel Castro. Preferia “um bom poema romântico a um mau poema político”: o primeiro, pelo menos, não prestaria um desserviço à revolução. Em seus textos criativos, podemos encontrar muitas vezes uma metalinguagem daquilo que considerava a verdadeira poesia marginal.

[Marginal é quem escreve à margem,]
Marginal é quem escreve à margem
deixando branca a página
para que a paisagem passe
e deixe tudo claro à sua passagem.

Marginal, escrever na entrelinha,
sem nunca saber direito
quem veio primeiro,
o ovo ou a galinha.

Como o poeta Ademir Assunção afirma, Leminski fazia questão de “alterar o texto para bagunçar o contexto”. Um exemplo clássico disso é a paródia que fez do discurso nacionalista de Médici: “Brasil: ame-o ou deixe-o”. Leminski escreve: “ameixas / ame-as / ou deixe-as”. Ele consegue subverter o discurso militar ufanista somente alterando algumas palavras e, de quebra, se diverte com isso. Em tempos de chumbo, costumava dizer que “rir é o melhor remédio, achar graça, a única saída”.

Outra contradição saltaria aos olhos do público quando o poeta decidiu conciliar a literatura com a profissão de publicitário. Em 1975, no lançamento de sua obra prima Catatau, Leminski valeu-se de um recurso de marketing: pousou nu, em posição de flor de lótus, para o cartaz promocional da obra. Décio Pignatari, também publicitário, qualificou Catatau como o primeiro livro que surgiu dentro de uma perspectiva inovadora de promoção e marketing. O escritor Jaques Brand, contudo, foi bastante crítico ao destacar o ego de Leminski nessa “jogada publicitária”. O poeta curitibano então responde: “o que irrita Brand é que usei técnicas da propaganda para lançar um livro de literatura. Como se a literatura – numa sociedade de mercado e de consumo – fosse algo de santo ou pátrio”.

Leminski viveu intensamente as contradições de sua época. Faleceu aos 44 anos de cirrose hepática como Fernando Pessoa, embora desejasse ter sido como Pound e Maiakovski, dois grandes poetas que não bebiam. Apesar de ser enquadrado por muitos nos apêndices ora do Concretismo, ora da poesia marginal e ora do Tropicalismo, conseguiu realizar uma façanha ainda maior, como poucos na história da literatura: ser maior que um simples emblema. Ser ele mesmo.